quinta-feira, 29 de abril de 2010

LAMEGO, MEU ACONCHEGO

No peito tenho-te minha
cidade de verde e pedras
talhadas em brasão nobre
e respeito em lar de pobre.

Nos olhos, mesmo fechados,
guardo em torre de menagem
um cavaleiro altivo
fiel ao reino cativo

dos meus sonhos de menina
encantada de princesa...
Subo agora a escadaria,
Remédios é romaria,

e ajoelho o olhar,
em louvor de alma amante...
e rezo à azul Senhora
pela beleza que mora

nos vinhedos verdejantes,
na serra mãe protectora,
nas pedras que sabem história,
nos jardins de justa glória...

Há ainda uma saudade
que me bate à porta entrando,
sempre que lembro Lamego
e me aninha o aconchego

do seu regaço em carícias...
bebo das suas delícias,
como o farnel de romeiro
e adormeço ao seu colo...

...à sombra do castanheiro...*




*existe um castanheiro secular, de diâmetro invejável, no largo do Santuário de Nª Srª dos Remédios, "ex-libris" da cidade, onde está inscrito:

"Já fizeste a romaria,
Obrigada bom romeiro,
Come agora o teu farnel
À sombra do castanheiro"
"OLH'ÓS REBUÇADOS DA RÉGUA!!..."*


Levo-te a ponto de rebuçado,
virgem cidade que é meu cado,
e bebo o néctar chamado porto,
fruto do vale que assim exorto!

Tanto de rio, tanto de ouro,
olhar calado, onde me ancoro...
dum rio Douro a amar-te em cio,
beijo molhado, a quente e frio.

Levo-te em doce barco rabelo,

minha epopeia em fado de sê-lo,
rumo ao Porto, porto partido,
em tonéis de ventre apetecido...

Da Régua sai-me o néctar que doo,
alma de um povo, alma do Douro,
sol prisioneiro a bem desterrado
p'lo mundo inteiro, engarrafado.

Leva no rótulo a marca dos beijos
que na vindima são de desejos,
e, só por isso, sol redimido,
por em si levar o amor sentido...

....é redenção, a fama que ganha,
e quase todo o orgulho que tenha,
passa na Régua, à sombra das vinhas,
em afãs de glórias também minhas...




*Pregão das rebuçadeiras da Régua. Os rebuçados da Régua são uma guloseima típica da cidade, feita de açucar caramelizado, produzidos e embalados artesanalmente. (leia em http://www.dodouro.com/noticia.asp?idEdicao=207&id=11186&idSeccao=2265&Action=noticia)


CERDEIRAS EM FLOR

"Nas margens do Douro,
De Penajóia a Resende
Noivam cerejeiras..."

Quando o sol beija as flores
da infanta Primavera,
sai do bragal a alvura
do manto das cerejeiras
que renovam a virgindade
e se vestem de luxúria...
E, em ritos de divindade,
o rio as reflecte em êxtase,
em improvável diástese
de azuis e verdes fluídos
rendilhados a promessas
de rubros beijos de Verão,
quando as cerdeiras moçoilas
tiverem lábios cereja
e ardores de pura paixão...
CÁLICE DE PORTO

À transparência de cristal
remiro um cálice guardado
por séculos de namoramento...
Em paixão,
sorvo as colinas em mosto,
os bagos sumos de Agosto,
o aroma rico de frutas
de Verão...
Um rio doura-me o cálice
dos meus olhos embriagados
da terra que bebo em goles
e subo a calços bordados
a xisto e suor dos solos...
E sinto entranhar-me o peito,
até à foz da minh'alma,
a veneração e respeito
às gentes de riso aberto
que pisaram sua vida
na lida da descoberta
do ouro feito a preceito
e gosto a mel e sol fino,
néctar puro em tons de vinho!

sexta-feira, 23 de abril de 2010

ERA UMA VEZ, NUM REINO DOURO...

Azul de cobalto líquido,
Mancebo chamado rio,
Douro de berço nascido
Criado em lençóis de brio...

Era de vinha seu reino,
Sua amada, a Terra fértil,
Seus filhos, cachos em treino,
De peleja ordeira e ágil.

Mas um dia a Amendoeira
Vestiu-se de branco e rendas,
Bordou-se de primavera,
Mirou nele as oferendas...

E o rio traíu a Terra,
Por paixão, jogou o reino,
Por amor, deixou a guerra,
Quedou-se, de olhar sereno...

No encanto, a amendoeira,
Ruborizou as flores brancas,
De enlevo, à sua beira,
Descalçou-se das tamancas...

Foi paixão de Primavera,
Breve amor de curto encanto,
E as lágrimas da amendoeira
Foram pérolas de pranto...

Pétalas a vagar no rio
Num lamento de ciúme
Da Terra em gamões de cio...
E o Douro esquece o queixume.

De verde e rico veludo
A vinha atrai seu amante,
A amendoeira vê tudo,
Resta-lhe o fruto abundante.

E a Natureza sorri,
Cumpre-se o ciclo da Vida,
Limita-se a fazer de júri...
"Sessão a ser dissolvida..."




Voz e escolha musical: Rute Gomes

quarta-feira, 21 de abril de 2010

DOURO EM FLOR DE AMÊNDOA

Quando se vestem as colinas
de noiva e branco,
durmo contigo, beijo de sol,
licor de pranto...
dispo a neblina, enfeito a flores
e bordo a encanto
um rio doce, dormido a azul,
que amo tanto!...

Quando te despes, amante sol,
noite de núpcias,
visto corolas de amor brincado
com mil astúcias...
travo de amêndoa, neve ilusão,
doce e carícias,
douro-te a mel, pão fermentado,
flor de delícias!...



Voz e escolha musical de Rute Gomes:
DA TERRA E DO RIO

(Da Terra, que direi?... só amá-la eu sei!...)

Douro verde e meiga, que feitiço abrigas,
no manto tecido de afagos quentes
que o sol que namoras e por ti se rende
estende nos calços de videiras pródigas?...

Douro são teus seios de cachos nascidos
em bardos bordados no berço das vinhas,
com suor talhados a rendas e linhas
e paixão de homens a enxada sentidas!

Douro de vaidades ornadas de verde
baixando seus olhos no rio sereno,
mesmo quando o frio lh'aperta o Inverno,
certa da beleza que zela e não perde!

Douro de declives em forma de cálice
Onde o sol se toma, em néctar de deuses,
em brinde de honras e ritos corteses,
penhora de olhares em desejo cúmplice...


(Do rio, que contar?... só o sei amar!...)

Douro azul e ágil que buscas nas franjas
o calor do abraço e meigo remanso
das colinas doces que refectes manso,
quando o Sol se deita nos lençóis das granjas...

Douro são teus prantos de águas rebeldes
quando de paixão beijas doces pregas
do corpo de virgem prenhe de entregas
à mercê de ânsias do amante em sedes.

Douro são teus brilhos de fluídas gemas
em colar de enfeite de colo macio,
carícia enleante em leito de rio,
lavra perfumada de rima e poemas...

Douro que eu sorvo em tragos de êxtase
sempre que o ouro se funde nas águas,
vinho fino e sol, ourelas da Régua,
eterna beleza em infiel diástase...



Voz e escolha musical de Rute Gomes:
AMO-TE, DOURO...

(Hoje trago-vos um pouco do meu Douro, com pitadinhas muito regionais de termos e costumes...)


Eu amo este meu Douro
De vinhas e rio feito,
Quando se veste de frio
E demarca a codo*
E espelha a ouro
As entranhas dum tesouro...

Eu amo este meu Sol
A tanta beleza afeito,
Que à sua arte confio
Os retoques de azul
A cobrir os gamões* jovens
De sulfato* e suor d'homens!

Eu amo este meu Solo
De xistos, onde me deito
Nas tardes de sesta e estio,
Quando o labor pede colo
E as uvas pesam esperança
De tonéis* e abastança!

Eu amo esta minha Terra
Mirada em sereno leito
Dum amante que é um rio
E a mira do vale à serra,
Na esperança que a vindima
Lhe traga bodas de faina...

Eu amo este meu Douro
Que o Outono d'ouro enfeita.
Rubis, ocres, cores em fio,
Êxtase de final labor
Nos dias de sol fugaz
Quando a tesoura* se faz...

Eu amo este meu Canto
D' estrofes em altar feitas,
Mesmo se o génio do rio,
Quando à chuva bebe o pranto,
Invade pontes e margens
Exigindo vassalagens...

Eu amo este meu Povo,
Mimando a seu jeito
Folgazão e sadio,
Com arraial e fogo,
Os santos que das ermidas*
Velam as vinhas garridas!

Amo-te, Douro antigo,
Douro vivo, Douro rio,
Douro terra, Douro amigo!



*codo - o mesmo que códão, terra húmida endurecida pelo gelo
*gamões - rebentos das videiras
*sulfato - calda de cor azul, com sulfato de cobre, fungicida
*tonéis - grande barris (cascos) de carvalho, para armazenamento do vinho
*tesoura - poda
*ermidas - pequenas capelas, geralmente implantadas no alto dum monte (elevação) ermo.




Voz e escolha musical: Rute Gomes
BAGOS E BEIJOS

Soltam-se cachos de raparigas
pelas vinhas prenhes de Setembro,
embalam de risos e cantigas
cachos de socalcos em requebro

sobre o rio doce onde se miram
ensaiando matizes d'ouro antigo.
Soltam-se em cores e às cepas tiram
doce manancial, farto respigo.

Ajeitando o rubor das faces sãs,
reflectem seus cantares na limpidez
do Douro, companheiro de afãs,

que lhes cobiça, ciumento, os beijos
destinados aos bagos de languidez
que os moços lhes atiram, em desejos...

D'OURO E VINDIMAS


"Fui ao Douro às vindimas,
Não achei que vindimar,
Vindimaram-me as costelas
Olha o que lá fui buscar."

(Cancioneiro popular duriense)


Fui ao Douro à vindima,
Não achei que vindimar,
Vindimaram os meus olhos,
Colheram-mos para o lagar.

Não achei que vindimar,
Nem sequer um só baguinho,
Mas meus olhos d'uva preta
Apanharam-mos p'r'um cestinho.

Nem sequer um só baguinho
P'ra fazer um néctar doce,
Mas meus lábios de cereja
Quiseram-mos p'ra sua posse.

P'ra fazer um néctar doce
Com aroma a mosto fino,
No cálice dos meus abraços
Escreveram meu destino.

Com aroma a mosto fino
E cheirinho de hortelã,
Aromatizaram meus beijos
Certos olhos de avelã.

E cheirinho de hortelã,
Matizada de sol posto,
Beberam-me em copo d'ouro,
Em licor de fino gosto.

Matizada de sol posto,
Orvalhada de tons quentes,
Fui ao Douro à vindima,
Colhi só olhares ardentes...

RUA DA SAUDADE

Que saudades da minha rua
Nas tardinhas de Verão!
Quando a aragem brincava,
A esconder-se do calor,
E subia a calçada,
Direitinha do Marão!

Tantas saudades, tantas!,
Das sestas ao relentinho,
Ou na soleira da porta,
Aprendendo a bordar
Flores que minha mãe plantava
Em retalhos de branco linho!

Que saudades das Trindades
Em ecos na minha rua...
Quando aplacavam os suores,
Chamando aos doces lares
Afazeres de sol-a-sol,
Afagos de lua-a-lua!

Com as pedrinhas lavadas
Pela chuva de Verão...
Que saudades da minha rua,
Em subida para o céu,
Atapetada de flores
Em dias de procissão!

Que saudades da minha rua!
Dos Domingos soalheiros,
Quando os moços se vestiam
De lavado e bailarico,
E sua alegria enfeitavam
De namoricos brejeiros!

Tantas saudades me dá
Lembrar o ledo bulício
Da minha rua que era
Avenida Principal
Dum tempo em que minha aldeia
Era meu Mundo patricio!

Que saudades das vindimas,
Quando a azáfama era crescendo
Na calçada adocicada
Pelas lágrimas dos bagos
Sacrificados nas rodas
Dos carros de bois, tangendo...

E o aroma de açúcares
Ainda hoje os sinto assim,
No melhor cofre que guardo,
Junto com os sons do fado,
No altar de viva saudade
Que mora dentro de mim...

Hoje só o silêncio mora
Na minha rua esquecida...
As gentes negam-lhe os passos,
Preferem estradas e carros
E desdenham a calçada
Onde pisaram a Vida...

(A calçada da minha rua é a subir e a descer...
... assim como a minha Vida, calçadinha de sofrer...)


Voz e escolha musical: Rute Gomes
LEITO ONDE ME DEITO


Sei do teu leito a seda,
Ondulada por desejos...
Sei do teu brilho os beijos,
Reflectindo o luar...
Adormeço os meus sonhos
Ornada por teu lençol,
Cubro-te de colchas bordadas
Por carícias de mosto e sol...
Atravessas-me, sob encanto,
Rasgas gargantas em mim,
Modulas teus doces cantos
Na doçura dos meus seios.
Dás-me a cor do meu olhar,
Mergulho no teu azul,
Invades-me, senhor de mim,
Fertilizas minhas margens,
Quando de paixão extravasas
E me inundas o jardim...
Contornas-me as curvas doces
Em sensualidades subtis...
Fazes de mim o desejo
De lábios apaixonados
Quando sorvem o meu néctar,
Rio de sonhos dourados...
Sei de ti e sou de ti...
És meu cio, és meu rio...



(ao DOURO, pelo DOURO... ao RIO, pela TERRA)


Voz e escolha musical: Rute Gomes

terça-feira, 20 de abril de 2010

OUROS DO DOURO

A corrente que me traz presa contigo,
rio livre de insinuante abraçar,
é de ouro que te faz rimar comigo,
terra viva que te sorve o espelhar.

O cordão com que me adornas o colo,
rio Douro de precioso azular,
é enfeite que combina a cor do solo
com o brilho do teu húmido beijar...

...e é ver-nos, quando Agosto chega ao rubro,
passeando, lado a lado, em procissão,
eu, vaidosa, com arrecadas de ouros

enfeitando os declives de veludo,
e tu, meigo, enleando em comoção
as curvas dos meus seios já maduros...


(DOURO AO DOURO -diálogos entre terra e rio)


SONETO D'OURO

AO DOURO, MEU RIO, MINHA TERRA
(Meu berço, meu verso...)

O meu rio lava as águas no ouro
Que colhe das colinas debruçadas,
Enfeitadas de belas arrecadas
De cachos que são seu doce tesouro.

Meu rio lava o suor de cristal
Manchado pelo pó da árdua lida
Dos homens que penhoram sua vida
À amante que é seu manancial...

Por ela bordam vinhedos de veludo,
Com linhas inventadas em paixão,
Nos seios dessa terra d'ouro e mosto.

E o meu rio passa, silente e mudo,
Em respeito de solene procissão,
Sonhando co' as cobertas de Agosto...



segunda-feira, 19 de abril de 2010

RAMO DE VINDIMA*


Se um rio passar por mim,
na foz que ainda não sei,
será de ouro o meu fim
e a chave com que fechei
o serpear entre vinhas.
Seja então eu raíz doce
de vozes que não são minhas,
mas do amor que me trouxe...
Se um rio passar por mim,
que seja o Douro, corcel,
e me arrebate ao selim,
que quero ser azemel
de novidade esperada,
levar ao mundo, cantando,
ecos de terra lavrada
na voz que vou calejando...
Se um rio passar por mim
a juzante desta terra,
seja a saudade coxim
onde a minh'alma se entrega
dos cansaços desta lida
rio abaixo-terra acima,
nos rabelos desta vida,
nos calços da minha teima

e num ramo de vindima...


*O ramo da vindima simboliza o final da colheita e é feito pelos vindimadores para oferecer ao patrão, no almejo de boa gorjeta.









DOURO MEU, MEU DOURO

É tão fácil ser poeta
entre as colinas do Douro!
Acho que Deus, que foi Deus,
não resistiu e foi mestre
em perfeito arrebatamento
de inspirado criador!
E, em êxtase de primor,
moldou suaves texturas,
enfeitou-as de luxúria,
escreveu nelas a (D)ouro,
tocou de leve o macio
ventre da terra a quem deu
dons e graças de mãe fértil!...
E não ainda satisfeito,
querendo o quadro perfeito,
pintou o sol de calor,
e do céu escorreu a cor
que lavou nas águas doces
do rio traçado a amor
nos mansos vales fecundos...
Mas Deus, que foi Deus,
tocado de empenho profundo,
achou incompleta a obra,
e por amor ordenou
que o Homem lhe desvendasse
o mistério da beleza,
e para sempre guardasse,
em labor de perfeição,
a Terra que elegeu
como Sua dilecta obra...
Não sei se é por ser minha,
mas esta dádiva divina
é inspiração que me toma
em poesia, em veneração,
sempre que olho os vinhedos
ajoelhados em prece
sobre o rio em procissão...
E recito sempre um poema,
quando chego à sua estrema...
É tão fácil ser poeta
entre as carícias do Douro!...