quarta-feira, 14 de julho de 2010

SAIA DE CHITA


Comprei chita da melhor,
Duas alturas de metro
(Que a saia quer-se ao redor)
E costurei-a a preceito...

Era alegria em tecido,
A chita em mil tons campestres,
Como campo colorido
Plantado de flores silvestres.

Talhei-a em linhas singelas
Numa saiinha modesta,
Pra condizer co'as chinelas
A estrear pela festa.

Cosi-a com perfeição
E primor bem afinado,
Pois me diz o coração
Que vou achar namorado...

Ficou um perfume a flores
Na velha máquina Singer,
Foi das que cortei em dores
E que de mil cores me tingem.

Mas as que sobrarem, ah!,
Vou dá-las num laçarote
A um certo moço de cá
Em ronda do meu saiote!...

quinta-feira, 8 de julho de 2010

MDCCXCVII




(Casa de infância)

Sou sempre da minha casa,
a casa que ainda sabe
o cheiro com que nasci.
Sou ainda flor de berma,
protegida pelas pedras
seguras e venerandas,
da rua onde passa o frio
do Marão.
Sou ainda inocência,
guardando o branco caiado
da casa da minha infância
num altar:
e ainda hoje ergo os olhos,
quando subo a calçada,
para as janelas rasgadas,
para as ombreiras cansadas
da porta rendida ao tempo,
que me concede a entrada
em tapete de granito
e saudades de outros tempos
em que o amor era lá dentro,
e lá dentro... era o mundo!
Fui duma casa tão grande,
aos meus olhos de menina!
Mas cresci e trago agora,
pra dentro da minha casa,
tanta coisa nos meus olhos,
que me parece pequena,
vista por dentro de mim,
a casa da minha infância!
Mas por fora...
ainda agora,
o tempo passa em respeito
de solene procissão
e se curva à dignidade
da singela inscrição
sobre a porta da entrada:
MDCCXCVII.

"Minha casa, tão velhinha,
É de pedras tão singelas!
Lembro que inda pequenina,
Já sonhava à guarda delas..."

sábado, 3 de julho de 2010

(o olhar da minha terra - Figueira)

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lembra-me as cores das manhãs
em festejos musicados
pelas alegrias sãs
dos pássaros já em alerta
e p'los sinos embalados
de avé-marias despertas.

lembra-me o cheiro da terra
ao calor do meio dia
e o ecoar lá na serra
dum chamado às redondezas,
avisando que a Maria
já tem o comer na mesa.

lembra-me a brisa que vinha
do Marão à minha rua,
saltando rios e vinhas,
para acalmar os suores
d'estafas de sol a lua
em beijos reparadores.

lembra-me ouros de sol-pôr,
no Douro a derreter-se,
a jusante de um amor
amealhado às trindades
num recolher de uma prece,
pelo anoitecer das tardes.