quarta-feira, 2 de março de 2016


Se ara fosse o meu lembrar...


Searas soltas
ao acaso das coisas
subsistentes

trigais da minha infância
centeais prenhes
sussurrando dores
de parto doce
à pujança
dos grãos de julho em roda
de vinhedos

espigas dóceis, voz do vento
ondulando nelas
a sega e os suores
de corpos soçobrando
ao sol do pão

...e depois

na seara abandonada
pavios rasteiros
queimam ainda odores de erva doce
terra milagrosa
ofertando ao deus de agosto
memórias de seivas mornas
e papoilas

...e depois

a dança dos manguais
na eira quente
a melopeia candente dos suores
ao concerto másculo dos homens
malhadores

e a brisa do Marão
separando o grão da p(o)alha d’ouro
ao  ritmo do crivo breve
alongando a dança
das mulheres.

...e depois

há-de ser feito
do sol esmigalhado em sementes
que me conhecem
-
o melhor pão

há-de ser leito,
a palha das memórias rescendentes
que me adormecem

em oração.