quarta-feira, 23 de janeiro de 2013




TANTUM ERGO



As vozes erguiam os joelhos das pedras e subiam aos céus, num coro cândido, que a abóbada da igreja filtrava, numa estranha e mística sonoridade. Era a hora do Tantum Ergo:

 “Praestet fides supplementum sensuum defectui…”,

que à luz da rústica realidade  se poderia traduzir assim:

“Sirva a fé de suplemento à fraqueza de instrumentos”

– musicais e de ensaio técnico, porque as vozes, essas, pareciam já nascer nascidas, espontaneamente se dividiam em tenores, baixos, sopranos e contraltos e se harmonizavam “a capella”.

Pareceria que um maestro invisível as comandava com precisão atenta e dinâmico incentivo. Homens e mulheres se revezavam, entoando os versos, elevando-os acima dos seus simples e mal pronunciados dizeres de latim, acima da vernaculidade, acima do orgulho de talentos vocais, ou da timidez por falta deles.

Era um momento único, um momento de forte espiritualidade e de união. O pequeno templo parecia ascender, numa névoa de incenso, a um Céu infinitamente grande dentro de nós. De mim.

Eu era pequena e tudo me parecia grande nessa época – a igreja, a minha aldeia, o Céu. Tão grande, que, sentir-me dentro dele, nos instantes que durava o cântico do “Tantum ergo”, era recear  perder-me nele…

Mas não. O que perdi, o que perdemos todos, foi o próprio Céu. Talvez a culpa seja dos tempos, das igrejas que se tornam cada vez mais pequenas, às vezes até invisíveis, das vozes que se calaram, dos órgãos electrónicos, dos coros com ensaio marcado, do silêncio das vaidades ou do barulho da Vida… ou, simplesmente, do nosso próprio crescimento, da nossa própria perda de inocência…

Ah, que saudades do “Tantum ergo” que (ainda) se canta na minha terra!

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