TANTUM ERGO
As vozes erguiam os joelhos das pedras e subiam aos céus,
num coro cândido, que a abóbada da igreja filtrava, numa estranha e mística sonoridade.
Era a hora do Tantum Ergo:
“Praestet fides supplementum sensuum
defectui…”,
que à luz da rústica
realidade se poderia traduzir assim:
“Sirva a fé de
suplemento à fraqueza de instrumentos”
– musicais e de
ensaio técnico, porque as vozes, essas, pareciam já nascer nascidas,
espontaneamente se dividiam em tenores, baixos, sopranos e contraltos e se
harmonizavam “a capella”.
Pareceria que
um maestro invisível as comandava com precisão atenta e dinâmico incentivo.
Homens e mulheres se revezavam, entoando os versos, elevando-os acima dos seus
simples e mal pronunciados dizeres de latim, acima da vernaculidade, acima do
orgulho de talentos vocais, ou da timidez por falta deles.
Era um momento
único, um momento de forte espiritualidade e de união. O pequeno templo parecia
ascender, numa névoa de incenso, a um Céu infinitamente grande dentro de nós. De
mim.
Eu era pequena
e tudo me parecia grande nessa época – a igreja, a minha aldeia, o Céu. Tão
grande, que, sentir-me dentro dele, nos instantes que durava o cântico do
“Tantum ergo”, era recear perder-me nele…
Mas não. O que
perdi, o que perdemos todos, foi o
próprio Céu. Talvez a culpa seja dos tempos, das igrejas que se tornam cada vez
mais pequenas, às vezes até invisíveis, das vozes que se calaram, dos órgãos
electrónicos, dos coros com ensaio marcado, do silêncio das vaidades ou do
barulho da Vida… ou, simplesmente, do nosso próprio crescimento, da nossa
própria perda de inocência…
Ah, que
saudades do “Tantum ergo” que (ainda) se canta na minha terra!
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